terça-feira, novembro 30, 2010

Incisão no domingo

                                                                                Imagem sem menção de autor.

 
Desde a manhã em aberto
um dia chegando ao fim
princípio e fio sem destino certo.

Nasceu do escuro
essa manhã de domingo.
E desde a serra insegura
ouvia-se o mar rugindo
praias desertas rajadas
de cinza e frio.

Domingo esteve ausente
de domingo
missa de sétimo dia
rezada antes
da cirurgia.

domingo, novembro 28, 2010

Até o natal


Quando as bonecas moravam
naquela casa
palavras tinham gosto de hortelã
e gelatina.

Palavras que mudaram de sabor
moveram o tempo
e decantaram
no fundo dos cristais
guardados nas últimas prateleiras
onde ninguém vai mexer
até o natal chegar.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Trama


















Foi mulher de muitas tramas
em noites de pisar estrelas de neon
corpo de pétala.

O chão da noite apagou
mas não abandona as tramas.
Abre a gaveta e retoma seu tricô.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Opções

Sentar à mesa pode ser tão bom
se houver
           amigos
           aqueles que você nunca vai deixar de amar
           ou um amor
           antigo ou novo, de antes depois 
           ou agora.
Se houver uma janela
            para um bosque
            a praça
            ou em especial o mar
            bravio ou calmo
            contaminando o ar
            de imprevisível.
Quando se tem fome e sede
            de comida e vinho
            de vida
            morte
            amor
            e mais ainda
            de repartir
            falar ouvir
            sentir e olhar.
Quando há pessoas como sobremesas
            prediletas
            às vezes vale a pena
            deixar de lado
            a etiqueta.






            

sábado, novembro 20, 2010

Momento




A chuva se recria
nas folhas da amendoeira
canta
na franja dos telhados
a madrugada líquida que chega.

É tanto o que independe
de nós
aos olhos mais atentos
– as luzes que vacilam
e nada saberemos dos bichos escondidos
no escuro mais escuro –
nada
de tudo que subsiste
sem que os sentidos registrem.

De todos os sinais
sobram frações
segundos, séculos
girando em outra esfera.

Se a pele é fiel ao tempo
o vento embala
ou destrói
e a chuva é mais que suas nuvens.

Olhando pela vidraça a sedução do tempo
quem sabe o mundo que iremos encontrar
depois do sono.
Ainda assim o momento é mais forte
e o esquecimento nos salva.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Teares


As vozes da tevê
se diluem na correnteza
dos pensamentos.

Cruzados pelos ares.
vozes e pensamentos
se entretecem.

Tecidas nesses teares
palavras não se completam
nem dizem coisa com coisa.

Os pensamentos fenecem
e as palavras se diluem
no tecido que desfia.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Anatomia da luz

Foto Sebastião Salgado.



Há uma rachadura em todas as coisas.
É por ela que a luz entra.
                                    Leonard Cohen




A luz de dentro dos olhos
vem do ar que se respira.

Até os pensamentos mais soturnos
sobrevivem assim
– um toque do pintor em rua escura
os vagalumes fugindo e renascendo
à luz do vento.

Vem pelas veias do céu
em anos-luz de linhas desmedidas
tecendo teias.
Procura pedras da terra
vestes rasgadas
na guerra os corpos feridos.

A luz é do que corrompe ou regenera
não salva – só ilumina
não planta
germina e cresce.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Poema de estar só


Não há pegadas
nem trilhas.
O céu estreito
perde mais luz
por minuto.

Em solidão
a vida é um delírio
e um mergulho
no limiar do silêncio
absoluto.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Áugure




Chega à janela
na esperança de encontrar
a pomba branca
em algum lugar do asfalto
ou sob o sol
no alto dos fios.

Busca sua luz de penas
em voo bonito de ver
contra azul verde
ou sombra.

Nem sempre a vê
mas crê que lhe dá sorte
bem perto da janela.
O que você espera?
– perguntei
e ela não soube explicar.


Nem tudo cabe
em palavras.

sexta-feira, novembro 05, 2010

A flor e a empregada



Minha patroa insiste
: da flor a água se muda todo dia.
O dia todo ela fala
(sua voz me cansa o ouvido)
a flor não muda e repete
que mude a água da flor
esquecida na jarra.

A flor tem que ter sua muda
toda semana
(ela nem ouve
as coisas que eu resmungo).
Se a flor da jarra não muda
a flor perde todo viço
eu sempre aviso
(prefiro o lado da flor
que ao menos sofre calada)
e a flor cada vez mais triste.

Ela diz que é minha a culpa
ainda que eu mude a água
e ela se esqueça da flor.

A flor já não resiste
e morre
cabisbaixa.

Dia desses não aguento
me livro de flor e jarra
e procuro uma patroa
que entenda tanto de flores
quanto eu.



Nosso amigo Jefferson Bessa levou o poema para o seu Lendo Poesia, com empregada flor e tudo. Obrigada Jefferson, fico feliz de estar aí, entre tanta gente boa.

terça-feira, novembro 02, 2010

Insônias

O quarto é o limbo
e o corpo imóvel retém
os medos que resistem
e uma tristeza inteiriça
da idade do mundo.
O sono é uma cisterna
medida em asas e ecos.

À tona do espelho escuro
a ave indormida
e nada do que se faça
afasta
a dor da vida.




Floating poet. Sem menção de autor.

O sono pesca histórias
pela noite singrada de silêncios.

Toda memória
manto sem costura
vive de imagens e asas
bordadas de migalhas.

Não sabemos ainda
da véspera
do vento
das aves
e enquanto assistimos ao filme da tv
a solidão dos espelhos
desfia os sonhos.